sábado, 20 de setembro de 2008

O pedaço no papel

Minhas mãos estavam tensas de não saber por onde começar. Parecia que todas aquelas recomendações, todos aqueles traços ensaiados simplesmente haviam se escondido em mim.
Segurei o lápis bem forte, no alto, como um imperador dando uma ordem ao papel.

O papel tão branco, árido de triste, deserto de neve refletindo no meu olho.

O grafite rasgou de leve, envergonhado, deixou um cinza,
cinzinha sujo, patético.

Meu punho largou. Não suportei a dor daquele cinza ridículo, daquele risco indefeso me ameaçando a integridade.

Peguei de novo o lápis, mais corajosa e menos amedrontadora, agora como um maestro, impinei o nariz mais alto do que o morro branco e fui.

Ataquei com um risco ríspido e seco, na gargalhada do inimigo, destemida. Consumindo o branco, jorrando sangue na geleira. E mais, e mais… até que o pecado se tornou prazeroso! Arranhei todo o véu sagrado com as unhas pretas e sem vergonhas, carbono sem dó, demônio do mais negro fervor.

Soltei minha adaga no ar. Sentindo-me leve, virei as costas para o papel.
Deixei ali o meu inacabado, o meu esboço de mim, o meu cuspe de medo, todos os segredos que se revelam em gestos. Imperfeito, sujo e mal resolvido pedaço de mim.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

domingo, 7 de setembro de 2008

Ainda Onda: Edith

a exposição de edith derdyk me chamou atenção para além dos papéis brancos e dos parafusos enferrujados, mas sim, para a eterna atribuição e busca do artista à onda, as entrelinhas da onda do mar. edith se baseia em manuel bandeira, que antes também havia encontrado lá as respostas ao tempo (ou pelo menos uma rima para seu poema).
cildo meireles, em seu marulho faz a mesma conexão, trazendo o espectador a uma sala de mar de livros. desta vez lembrando-nos os marilivros de haroldo de campos e suas ondas escritas em palavras.
a conclusão é inevitável: existe um mergulho da arte brasileira no ir e vir das ondas. o que se pode ler visualmente no azul de cildo e no branco gélido de edith. é como se no mar, o brasileiro encontrasse sua identidade, sua realidonda. assim como caymmi (a quem também atribuo referências inegáveis nestes trabalhos), que em suas músicas descrevia como era doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar. sem querer, todos fazem parte de um todo.
acredito que edith em ainda onda não nos remeta a apenas um, mas a todas poetas. tanto a verborragia de haroldo, ao azul de cildo, a melancolia de dorival e finalmente aos poemas de manuel. ainda onda é uma obra completamente referencial a toda criação brasileira.