domingo, 31 de agosto de 2008

dó e ré
notas
de rodarpé

Memórias, depois de Perec:

1.
Me lembro de estar sentada no vaso da casa de meu avô, de seguir com os olhos a rachadura na parede do banheiro e me perguntar futilmente se ninguém mais se incomodava com a fenda. Lembro-me da luz amarelada, das paredes envelhecidas e de imaginar baratas entrando debaixo da porta.

2.
A capaínha da casa de meus avós nunca funcionou direito, assim como o interruptor do banheiro. As instruções sempre foram:
Para a campaínha: apertar bem forte mexendo levemente o dedo pela bola preta, até que de repente um ruído rouco grita lá de dentro, acompanhado por um "Não tem ninguém em casa".
Para o interruptor: bater rapitamente repetindo o processo duas ou três vezes até que dá-se a luz.

3.
Minha avó guarda copos na geladeira e panelas no microondas.

4.
Na rua onde meus avós moram tem uma casa com grades e lajotas brancas, onde tem um cachorro vira-lata. Certa vez eu e a vó entramos lá, ficamos só na porta. Lembro-me de oferecerem sucos muito amarelos, bebemos e fomos embora.
Alguns anos depois perguntei para a vó como estavam aquelas pessoas, ela estranhamente me confirmou que sequer conhecíamos aquela gente. Foi então que eu percebi que aquela lembrança não passava de um sonho de lembrança e que talvez fosse por isso que só conhecíamos a entrada da casa.

5.
Na casa da minha prima, como sempre, brincávamos de esconder. Me escondi no quarto dela, o tempo passou, saí de meu lugar, olhei pela janela o pátio. Abri ridículamente a boca sem motivo algum. Uma mosquinha de banheiro pousou em minha língua. Senti uma mistura de pânico e fascínio, soltei um grito, o bichinho voou e fui descoberta na brincadeira. Até hoje não entendo como não senti nojo daquela mosca.

sábado, 16 de agosto de 2008

texto sem fim

é impressionante o problema que eu tenho com finais de histórias. nos últimos tempos todos os livros que eu leio não consigo chegar ao final. parece que vem o fim, a história se perde na minha cabeça e a conclusão não se torna mais necessária.
não entendo o que acontece. simplesmente a vontade some, as unhas saltam dos dedos para serem roídas, as histórias perdidas que nunca aconteceram se tornam teatro de um passado que eu não tive, os fatos de hoje ecoam envergonhados nas palavras que eu não deveria ter dito. tudo de repente pulsa, até a simples saliva cansada na boca se torna amarga no engolir do dia, no momento da leitura. no fim. no ridículo final do livro.
não sei se é falta de costume de finalizar, de concluir pensamentos, mas parece que fiquei presa na vírgula e que qualquer ponto final se torna assustador. desisto, desisto de tentar ler os finais dos livros, de saber os finais das histórias, ou mesmo de tentar finalizar este texto... já que eu não vou ler mesmo,
mesmo.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008












7 meses

é engraçado, estando no velho mundo descobri que sabia menos da américa do que da vida da rainha. nesse momento desisti de stones, beatles e bowie para ouvir a transa de caetano no mesmo dilema sobre london, london que eu, e o gil transformando meu yesterday em back in bahia. de repente me senti o marinheiro só das águas do norte e precisei viver a itália de chico para apreciar um brasil esquecido.
agora de volta vejo o brasil com outros olhos, não me parece o mesmo país que eu vivi por todos esses anos. vejo um jovem envelhecido, com o rosto fresco num sorriso de dentes tortos. o brasil dança cansado desde que o samba é samba.
então resolvi chamá-lo de mundo perdido, e estamos. a nossa descoberta não passou de mentira, estamos estagnados no antigo sonho americano, que para nós de nada adianta, pois o brasil ainda está perdido na tradução do seu português emprestado.

nero café, london bridge, london 2007

sentada no café todas as xícaras brancas me olham. olhares brancos e brilhantes. olhos cegos arregalados em mim. o cheiro de café gelado e a madeira que ecoava a cada passo. o café frio na minha frente tremia por não ser bebido. as xícaras sujas choravam o negro resquício na sua brancura dramática. e nesse momento, ou curto espaço de tempo, me deu vontade de chorar por elas. chorar como elas, um choro preto e esquecido.